Resenha de: ” Barbie” (2023) Por Marcelo Nunes Barcelos

Barbie, assinado por Greta Gerwig, chegou aos cinemas com a difícil missão de adaptar a boneca mais famosa do mundo para as telonas. A princípio, a sinopse revelada contava que Barbie (Margot Robbie) embarcaria em uma viagem com Ken (Ryan Gosling), rumo ao ‘mundo real’ em busca de respostas para problemas eminentes na Barbielândia.
O filme teve sua divulgação muito mais voltada para os aspectos visuais – o que foi extremamente inteligente dicasse de passagem, afinal a internet parou para acompanhar os figurinos rosas das personagens. Entretanto, o longa se mostrou muito mais profundo do que de fato parecia ser.
O conflito principal, mantido em segredo pelos trailers, era o motivo pelo qual a Barbie estava passando por problemas “humanos”. Descobre-se que na verdade seus pés chatos, mal hálito matinal e até seus pensamentos mórbidos vinham da menina que estava brincando com ela. Após um período de negação, ela parte a caminho do mundo real para concertar as coisas. Contra a sua vontade, algo que também foi ocultado no material de divulgação, Ken a acompanha na jornada.
Acontece que a chegada dos dois no mundo real tem impactos diferentes para ambos. Enquanto Barbie desenvolve uma ansiedade, totalmente justificável pelo momento que está passando, Ken se diverte. Após décadas vivendo em um contexto onde as mulheres comandam, o personagem de Ryan Gosling se vê em um mundo onde os homens dominam. Ele se sente representado pela primeira vez. Por isso, algo diferente cresce dentro dele. Algo que a essa altura ele ainda não sabe explicar, mas sabe que gosta de sentir. O sexismo do mundo real bagunça com a cabeça do personagem.
O roteiro hábil de Gerwig e seu parceiro Noah Baumbach trazem uma jornada de amadurecimento muito honesta. O contato da protagonista com mulheres humanas causa um choque de realidade imenso e insere no filme discussões muito popularizadas nos últimos anos. Afinal, se a Barbie deveria ser um símbolo de empoderamento feminino para as meninas, em que momento ela simplesmente ficou conhecida como uma marca que sustenta padrões de beleza inalcançáveis e nada representativos?
A jornada de amadurecimento vem com o desenrolar da trama principal que aborda em suma, a dinâmica entre homens e mulheres ao longo dos tempos e também sobre como esses papéis sociais são vistos e problematizados hoje em dia. Tema que inclusive, é abordado com maestria. A história é genuinamente divertida, com um humor que passeia entre a acidez e a inocência, e bebe muito da fonte das piadas que envolvem o universo das personagens. O que conversa mais com o público jovem, do que um filme que faz piada de si mesmo?
Os atores estão ótimos, alguns entregando inclusive as melhores performances de suas respectivas carreiras. É o caso de Ryan Gosling, que rouba toda a atenção do filme para o romântico Ken. Margot Robbie também entrega uma performance impecável e assume perfeitamente a responsabilidade de entregar uma personagem madura, mas ainda assim plástica. Kate McKinnon trás um humor mais ácido, com sua brilhante Barbie Esquisita, enquanto America Ferrera guia o desenrolar emocional do filme, com a sua personagem humana Glória – seu monólogo sobre a cobrança que as mulheres sofrem na sofrem na sociedade, inclusive, é um espetáculo a parte.
Outro ponto muito importante para o filme, foi a trilha sonora. A ideia de um álbum totalmente original para o longa, provavelmente muito motivado pela ambição de uma indicação a categoria de Melhor Trilha Sonora Original no Oscar 2024, trouxe uma roupagem diferenciada ao filme. Colocar Nicki Minaj, que desde o início de sua carreira se autodenomina como a Barbie do rap, para samplear Barbie Girl da banda Aqua foi uma jogada de mestre. Quase tão bem pensada quanto usar Billie Eilish, a maior artista nascida nesse século, para cantar a faixa principal, justamente sobre a melancolia da protagonista.
De modo geral, Barbie é um compilado de boas ideias, muito bem executadas. É um filme bem estruturado, que parou o mundo de forma muito merecida. Finalmente, depois de muitas décadas, ninguém pode dizer que Barbie é um produto vazio. Não mais. Talvez, na verdade, a essa altura a mensagem chegue a desagradar parte mais conservadora da audiência. E independente das metáforas, se você quiser simplesmente fechar os olhos e encarar o filme de forma literal, desconsiderando toda a carga dramática da trama, você ainda assim vai ganhar duas horas de muita diversão e ótimas piadinhas de duplo sentido. Poucos filmes esbanjam tanto carisma, de forma natural quanto esse.
Por Marcelo Nunes Barcelos